No que concerne à informática e às suas idiossincrasias este é um dos meus adágios preferidos. Há um fundo de verdade no meio disto. Para já porque a informática não surgiu para resolver problemas mas sim para servir de ferramenta civilizacional. Para ajudar a humanidade a resolver problemas e não para os resolver por si própria. Como seria o mundo no século XXI se não existisse aquilo a que chamamos informática? É impossivel responder a esta questão com toda a certeza. Julgo, e estou a entrar alarvemente no campo da especulação, que não seria diferente do mundo tal como o conhecemos nos primórdios do século XX. Ou então seria outra coisa completamente diferente, algo mais Verniano embora no século XX. Os inícios de século trazem quase sempre ventos de revolução tecnológica: o XIX o vapor, o XX a aviação, este a tecnologia computacional. Já estou como o outro: podia viver sem computadores? Podia, mas não seria a mesma coisa. Primeiro porque teria que fazer o que faço à mão, num estirador, e a demorar 10 vezes mais tempo. Por outro lado seria muito mais bem pago. Mas você não estaria a ler isto.
[Enxerto]
Atente-se, por exemplo, no âmbito das relações pessoais. Outrora, em saudosos tempos de estolas e cartolas, qualquer elogio que pudesse ser dado a terceiros ou quartos era dado com tal eloquência que poder-se-ia dizer que Camões vivia em qualquer um de nós, fosse ele ensaboado aristocrata ou estrumeiro campesino. Já no caso de alguma infâmia verbal ou factual ser perpetrada era exigida e concedida ao visado a reparação dos danos na sua honra sob a forma de cavalheiresco duelo, pela finura do aço ou pelo fogo da pólvora. Isto dava um colorido pitoresco à sociedade já nessa altura cansada de futilidades televisivas e internáuticas, mesmo que essas coisas ainda não tivessem sido inventadas. Agora, a Humanidade artilhada de Feicebuques e Gugelesmais e Aifaives e Raiosqueospartam prefere trocar elogios sob a forma de um polegar levantado ou simbolozinhos matemáticos (+1) enquanto os insultos chovem gratuitamente a coberto do anonimato e da segurança de um monitor de computador.
Um dos maiores problemas do Homem sempre foi não saber viver com ele próprio e não me parece que a informática tenha contribuído com alguma coisa para resolver essa questão. Há mais conhecimento à solta, mas como saber distingui-lo do joio que o rodeia se não estamos armados dos filtros necessários? Ora, em termos tecnológicos a informática é um grande servente de quem podemos abusar e usar à vontade, mas em termos sociais estamos/somos tão atrasados como há 200 anos porque o nosso conhecimento e tecnologia cresce e evolui muito mais rapidamente que a sabedoria que nos permite usar as duas primeiras coisas da forma mais correcta.
E há mais. Esta coisa toda de computadores e internets cria também uma espécie de doença mental da qual eu também sofro e sou portador, como qualquer gajo nascido depois de 1970: Obesidade Mental. Quer saber o que é? Bem, já todos ouvimos a seguinte expressão saída normalmente de um boca de pele enrugada: “no meu tempo é que se ensinava… Ainda hoje sei fazer contas de dividir à mão com qualquer número, e tu, meu netinho ignorante e balofo, sabes?“. Claro que a resposta é um tímido e envergonhado, “não” ou um ríspido “nem preciso, à jarreta, porque a minha TI-XPTO faz isso e até gráficos trigonométricos e o diaboassete“. Está perceber onde quero chegar? A Obesidade Mental vem da poupança de esforços mentais a que a informática nos obriga. Não pensamos, não raciocinamos, porque basta carregar em meia dúzia de botões que a resposta surja ali bem à nossa frente. Não nos esforçamos para perceber nada, não nos esforçamos para resolver qualquer problema. Não precisamos de saber nada, apenas quais são esses tais botões que temos de carregar.
E aviso já o gordito leitor que ler estas merdas não lhe faz nada bem ao colesterol mental. Não faz não e sabe porquê? Porque os 5 minutos que gastou a ler esta algaraviada sem sentido nenhum poderia estar muito bem a consultar o Arts & Letters Daily, repleto das mais finas pérolas de sabedoria que pululam na internet. Ou isso ou poderia estar a aprender como construir uma casa de pássaros para pendurar na laranjeira do quintal. Ou mesmo a ver como é uma mulher quando tira a roupa e que o verdadeiro bico da cegonha mais parece uma ameijoa. Coisas assim de interessantes e elevadas, está a ver?
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